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DEPOIMENTO SOBRE A AGES

  • por

Dilan Camargo

Participei dos primeiros sonhos e dos primeiros passos da idealização e da fundação da Associação Gaúcha de Escritores no dia 18 de novembro de 1981.

Sempre afirmo que a criação da nossa entidade se deu no início de uma década marcada por uma profunda crise econômica, mas também pelo fim da ditadura iniciada em 1964. Do ponto de vista econômico, essa década é vista com “a década perdida”. Tínhamos uma alta taxa de inflação, que se acelerava, desemprego e baixo crescimento econômico. 

Pelo ponto de vista político, porém, foi uma “década ganha” porque reconquistamos a Democracia. Durante esse período, o nosso país viveu uma das maiores mobilizações sociais de nossa história contemporânea. 

Naquele momento, com a reorganização do movimento social, formaram-se várias entidades de representação da sociedade civil. Iniciou-se a reconstrução da Democracia levando-nos a dar um grande salto com a promulgação da Constituição Federal de 3 de outubro de 1988. A Associação Gaúcha de Escritores, até hoje, é uma dessas entidades. 

Deve ficar claro também, que a criação da nossa entidade não tinha absolutamente objetivos político-partidários, mas exemplarmente nasceu como uma entidade que defendia a profissionalização do trabalho literário e intelectual. Desde o início discutimos pautas como direitos autorais, propriedade intelectual, pagamento de atividades literárias como palestras, conferências, participação em feiras do livro, encontros e bate-papos. Sempre nos manifestamos pela liberdade da criação artística, pluralidade cultural e a mais expressão do pensamento, jamais aceitando qualquer forma de censura.

O núcleo de articulação original da nossa associação era formado por Carlos Carvalho, Tarso Genro e eu. Foi constituída uma Diretoria Provisória, da qual fui presidente, com as funções de convidar escritores e escritoras, redigir os Estatutos, e preparar os atos necessários para a convocação e realização da Assembleia Geral de fundação da entidade. E também para providenciar as formalidades de registro no Cartório de Pessoas Jurídicas.

Como referências para a redação dos nossos estatutos consultei os estatutos da União Brasileira de Escritores e do Sindicato de Escritores do Rio de Janeiro numa época em que não havia internet. Optamos por uma associação, embora alguns sugerissem um sindicato.

No artigo em que definimos, para os fins de associação, quem é considerado escritor, escolhemos o mais amplo e abrangente exercício da atividade de criação de conteúdos literários e similares.

A Assembleia Geral de fundação foi realizada na Sala Álvaro Moreira do Centro Municipal de Cultura e presidida pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil na época o seu Diretor.

Registro uma curiosidade: datilografei a Ata de Fundação numa máquina de escrever elétrica.

De fato, a AGES nunca teve uma sede física. Por essa circunstância mantínhamos uma Caixa Postal na Agência Central dos Correios com o número 1908. Talvez o número fosse parecido com esse!

De modo provisório, tivemos uma “sede” numa das salas da Casa da Cultura Mário Quintana antes da sua reforma definitiva.

Considero também marcante para a história entre Brasil e Uruguai o apoio que a AGES prestou ao Grupo El Galpón, célebre grupo de teatro uruguaio que estava no exílio. Para poder apresentar-se em Porto Alegre eles precisavam de uma agenda legal. Fui procurado por lideranças exiladas em Porto Alegre para viabilizar uma sessão teatral. Atribuímos ao grupo uma premiação especial que justificava a apresentação. Enviamos ofício à presidência da Assembleia Legislativa com a solicitação do Auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa.  Também providenciamos estrados e praticáveis para a montagem no palco. Não pude ver a apresentação, pois eu era professor de Direito Constitucional na Unisinos e tinha que dar aula naquela noite.

Um dos momentos de inesquecível confraternização entre escritores, editores e livreiros foi uma partida de futebol de salão realizada no antigo Ginásio da Brigada Militar. Mereceu até mesmo reportagem da RBS TV. O Juiz que apitou esse inédito evento futebolístico foi Renato Marsiglia, hoje comentarista de futebol. Lembro que estava presente na arquibancada o cartunista Sampaulo, colorado ferrenho. Mesmo num jogo sem a disputa regional, ele se manifestou cobrando que Marsiglia havia prejudicado o Inter num Grenal.

O jogador destaque dessa partida foi o nosso goleiro Sergio Faraco. Ele colocou um banquinho de galpão com um pelego ao lado da goleira e brandia um relho com a mão direita. O nosso escrete tinha tudo para vencer a peleja. Mas, o time adversário havia preparado uma “arma secreta”. De repente, entrou na quadra a ex-jogadora do Internacional Duda Luizelli, pioneira no futebol feminino do Rio Grande do Sul. Quando ela avançava em direção à nossa goleira, e já na entrada da área, nosso goleiro abandonava a meta e interceptava a jogadora abraçando-se nela. Pênalti. 

Quem preparou essa surpresa que mudou a história do jogo foi Waldir da Silveira, presidente do Banco do Livro. Atuei discretamente como o “treinador” da nossa esquadra. Todos que estavam fardados jogaram. Sei que o Faraco tem várias fotos do jogo. Nossos goleadores foram Charles Kiefer e Tau Golin. 

Uma das nossas campanhas que vale um registro foi contra a reprodução reprográfica de textos ( xerox ), principalmente nas universidades. Os estudantes não compravam os livros, mas apenas as “apostilas” com determinados capítulos. Um crime contra a propriedade intelectual e o direito autoral.

A AGES procurou também se integrar com os nossos vizinhos argentinos e paraguaios. Participamos do Congresso Latino-americano de Poesia na cidade argentina de Rosário e de um Encontro Latino-americano de Escritores na cidade de Assunção, capital paraguaia. Como o sinal mais marcante da nossa integração com o Uruguai, tenho a alegria de celebrar a presença do escritor uruguaio-brasileiro Jorge Rein entre os nossos fundadores. Para mim, é um dos nossos escritores de excelência em língua portuguesa. 

Por enquanto, tenho presente que este depoimento contém lacunas, imprecisões, e que merece ser aperfeiçoado. 

Estas vivências, registradas em micro-histórias, servem para deixar pegadas que podem orientar ou desorientar os caminhantes, mas que nunca deixarão de sonhar e de andar.

Viva a AGES!