Em boa companhia: com muita alegria a AGES começa uma parceria com o LITERATURA RS. Sem periodicidade fixa, vamos reverberar fatos importantes e a movimentação politico-institucional do setor. A taxação do livro, por hora colocada em compasso de espera, é o primeiro tema abordado.
Originalmente publicado em: https://literaturars.com.br/2021/05/20/ages-a-reforma-da-exclusao/
A Reforma Tributária pretendida pelo Governo Federal atinge a Cultura num dos seus ícones mais simbólicos da transmissão do conhecimento, da formação humanística, do saber científico e da emancipação humana: o livro.
Esse assunto foi motivo de “audiência pública” na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, no dia 26 último, proposição da Dep. Fernanda Melchionna, presidente da Frente Parlamentar Mista do Livro, Leitura e Escrita.
Com o argumento de que “livro é coisa de rico”, o “imposto do livro” está em curso para gerar no Brasil exclusão leitora ainda maior que a existente, aumentando o abismo entre quem tem e quem não tem acesso ao livro.
A ideia, que vai no sentido oposto ao da sua universalização, transforma o livro não em um gênero de primeira necessidade, como nas sociedades desenvolvidas, mas num produto acessível apenas a uma elite economicamente privilegiada.
Com a ausência da Secretaria Especial da Cultura e da participação de representantes da Receita Federal, Ministério da Economia e Ministério da Educação, o tema foi tratado em profundidade. Os representantes do Governo fizeram uma sustentação teórica da taxação, sem apresentar dados convincentes, desmentidos pelos números apresentados pelo sr. Marcos Pereira, do Sindicato Nacional dos Editores, baseado em estudos e acompanhamento do setor desde 2006, quando da criação da Lei que instituiu o Plano Nacional do Livro e Leitura.
A justificativa da Receita Federal para a criação da taxação de 12% seria a de que no Brasil os ricos são os maiores consumidores de livros. IBGE desmente essa informação, dando conta no relatório do setor que as classes C, D e E são responsáveis por 64,88% do consumo, enquanto as classes A e B 35,12%.
O processo de amadurecimento da sociedade brasileira e suas instituições quanto à necessidade de políticas públicas de incentivo ao livro e à leitura remonta a 1946, com o escritor e deputado federal à época, Jorge Amado, aprovando a imunidade do papel, passa pela constituição de 1988 com o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e chega ao Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), de 2006. Há 15 anos em vigor, o PNLL vem se desdobrando em políticas para estados e municípios de todo o Brasil. Porto Alegre foi pioneira na criação do seu PMLL, em 2011, que instituiu o Conselho Municipal do Livro e Leitura da Capital.
A nefasta taxação de 12%, cuja incidência na cadeia produtiva representaria em até 20%, atinge não apenas os consumidores individuais, mas todos os programas de governo voltados ao livro e à leitura nos três níveis da União, comprometendo um esforço de mais de 50 anos para a formação de uma sociedade leitora, capaz do discernimento necessário para enfrentar os desafios da democracia. As redes de bibliotecas escolares, públicas e comunitárias, que sofrem com a falta de recurso para renovação de acervos, seriam gravemente afetadas.
A taxação do livro vem sendo combatida intensamente pelas Frentes, Conselhos e entidades da sociedade civil. Uma destas mobilizações, e que não se resumiram ao setor do livro, foi capaz de conseguir em menos de duas semanas mais de 1.400.000 subscrições à petição que circulou nas redes sociais através da plataforma Change.org. Este esforço concentrado resultou na reunião do número necessário de assinaturas para a supressão deste artigo do Projeto de Lei do Governo. Porém, antes que isto pudesse se efetivar, o presidente da Câmara, dep. Arthur Lira, extinguiu a comissão mista da Reforma Tributária por razões regimentais, acenando para a sua continuidade em um novo formato. Isto significa apenas um adiamento para o enfrentamento desta questão.
Os livros são imprescindíveis a uma sociedade saudável onde os direitos sociais e as liberdades individuais são respeitadas. O estado democrático e de direito se impõe como uma conquista civilizatória. Quando atenta-se contra o livro e à leitura, atenta-se contra escritores e leitores não apenas de hoje, mas também do futuro.
AGES – Associação Gaúcha de Escritores