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Um mapeamento necessário de nossa cena literária

A AGES – Associação Gaúcha de Escritores, ao receber o resultado da pesquisa “Mapeando a cena literária do Rio Grande do Sul”, sente-se honrada em estar apoiando institucionalmente esse estudo idealizado pela Associação Cultural Nonada Jornalismo.

O levantamento da cena literária de nosso estado, através de quatro setores – escritores, livrarias, editoras e feiras –  mostra claramente a realidade e os desafios que precisamos enfrentar para aprimorar da cadeia do livro e da leitura em nossa sociedade como um todo.

Os escritores e escritoras, personagens fundamentais e razão da existência de livrarias, editoras e feiras, produzem sua escrita originando um número expressivo de frentes de trabalho que fazem circular diversas visões de mundo. Assim, podemos melhor entender o entorno em que vivemos, imaginar mundos diferentes, pensar criticamente a existência e inventar com liberdade criativa o que quisermos.

Atualmente, os desafios da categoria dos escritores e escritoras gaúcha se concentram na possibilidade de regulamentar a profissão bem como em entender melhor o mercado editorial e em criar espaços de visibilidade e sobrevivência. 

A pesquisa nos coloca frente a uma realidade a ser enfrentada, qual seja, a disparidade dos entrevistados em relação a gênero e cor. Somente 8% deles são pessoas não binárias e 5,6% se declararam pessoas pretas. Precisamos criar estratégias para buscar um maior número de escritores e escritoras que ainda se encontram à sombra dessa sociedade desigual e alargar a geografia da pesquisa para o interior do estado de maneira obter uma abordagem ainda mais abrangente, mesmo que esse levantamento tenha provado a sua competência.

A escolaridade dos entrevistados e entrevistadas aponta para uma formação acadêmica na área literária e afins, entretanto os cursos livres e oficinas de escrita criativa ganham terreno e se transformam num espaço sedimentado de aperfeiçoamento do processo de escrita. A presença dessa formação, fora do âmbito acadêmico, prova que a literatura é uma das expressões humanas, independente de uma formação oficial, e pode ser desenvolvida através de diferentes maneiras.

Se o escritor/a não consegue sobreviver com a literatura e a exerce informalmente, entendamos isso dentro de um país sem tradição de leitura. Em 2024, o Instituto Ipec divulgou uma pesquisa que registrou 93,4 milhões de leitores no Brasil, a partir dos cinco anos em diante. Nos últimos quatro anos, houve uma redução de 6,7 milhões de leitores no país. Considerando apenas livros lidos inteiros, a média é de apenas 0,82 por entrevistado/a. Pela pesquisa, fica evidente o esvaziamento do ambiente escolar como o lugar da leitura. O levantamento também destacou a falta de tempo de 46% dos brasileiros para a leitura e a queixa de 5% da população sobre o caro custo do livro e a falta de acesso às bibliotecas.

O exercício da escrita literária é informal e dependente de outras fontes de renda, sendo uma atividade paralela, e, para muitos, de difícil dedicação. É uma realidade na qual precisamos nos movimentar inventando maneiras de transformar dificuldades em oportunidades. A autopublicação parece ser o caminho preferido pelos escritores/as para driblar a ausência de oportunidades no mercado editorial, e, principalmente, para preservar a independência criativa.

Nossa área de atuação é desafiante. Produzir literatura demanda tempo, capacidade financeira, oportunidades, apoio institucional. Se optamos por uma edição independente, ficamos à mercê da distribuição e da divulgação. Por essa razão, os grupos e coletivos são tão importantes. Possibilitam a luta pelo direito à livre expressão e a superação da falta de divulgação pela mídia tradicional.

Inseridos na sociedade, os escritores e escritoras, como protagonistas de seu tempo, são influenciados pelo entorno. Direta ou indiretamente, são afetados pelo clima, valores, costumes, comportamentos, política, padrões estabelecidos, cultura, economia, enfim, ao fazer parte de uma comunidade, sua produção expressa saberes e conhecimentos herdados e adquiridos ao longo de uma vida.

Editoras e livrarias, com suas problemáticas particulares de sustentabilidade financeira, distribuição e concorrência, desempenham papel fundamental na cadeia da literatura. Os escritores/as geram a matéria-prima, as editoras a transformam em produto e as livrarias a comercializam, dando-lhe visibilidade através do consumo e de ações culturais que colocam escritores/as e livros em evidência para um determinado público.

A engrenagem de todas essas partes, se exitosa, pode proporcionar ao escritor/a momentos de realização. Porém, se isso não ocorre, é necessário um esforço dobrado para fazer da produção literária algo visível e com um razoável futuro.

Mesmo não sendo conclusiva, essa pesquisa abre muitas perspectivas e possibilidades para um planejamento mais claro dos itens a serem revisados dentro do processo de feitura de um livro, englobando sua criação, produção e circulação.

“Mapeando a cena literária do Rio Grande do Sul”, pesquisa realizada pela Associação Cultural Nonada Jornalismo, se configura numa importante e rica vitrine da cena literária do estado. Apontando de forma objetiva as características desse universo tão importante para o desenvolvimento e transmissão de conhecimentos, do despertar da imaginação, do aprimoramento do senso crítico, da reflexão e da sensibilidade.

A AGES parabeniza a iniciativa que servirá de norte para muitas das preocupações da Associação.

Liana Timm
Presidenta da AGES 2025/2026
Site da NONADA
www.nonada.com.br