A partir da década de 80 alguns rios sofreram demasiadamente com o aumento da extração de pedras preciosas e semipreciosas nos garimpos. A descoberta da jazida de ouro de Serra Pelada, no Pará, levou milhares de pessoas às beiras dos rios, principalmente no Norte do país, em busca do seu Eldorado.
Nunca ouvi dizer que algo relevante tivesse sido encontrado no leito do nosso Rio Caí, do qual sempre se retirou areia. Talvez o que de mais precioso nasça dos rios que banham cidades sejam peixes, pescadores e histórias. Principalmente histórias.
Era uma vez em Dezembro, do escritor Pedro Stiehl, é uma dessas histórias; garimpa dado Caí. Lapidada ao longo de anos, tal ourives, num trabalho minucioso de aprimoramento e esmero, o escritor se debruça sobre a narrativa a ser contada de modo a talhá-la como um ente vivo para o leitor.
Escrever um livro é um trabalho árduo, de noite e dia, como do garimpeiro, e sutil, como do ourives. O escritor, enfim, busca a matéria-prima e acura até o último momento possível, na expectativa de encantar o leitor com sua “joia”.
Lendo o livro penso em quanta abnegação; quanta recusa à convivência familiar e social durante os seis anos em que foi escrito. Penso em quanto tempo dispensado à pesquisa, às conversas, ao buscar memórias. Quantas idas à beira do rio, para encará-lo, ou encarar a si mesmo, Pedro Stiehl? Nesse mergulho, o autor encontrou alguns dos relatos que constroem a cidade por ele inventada, que inserem os personagens no contexto histórico da nação. E que, também, nos fazem refletir, lá pelas tantas, que nem tudo está perdido, ou nem todos – toda história tem um herói, afinal! A passagem da Ditadura pelo lugar, personificada na pessoa do Presidente Médici, vista pelos olhar de três meninos, nos dá a dimensão de que não somos uma ilha: estamos cercados de realidade por todos os lados; sempre estivemos. Até mesmo num romance!
Nessa imersão nos encontros entre a água e a lama, entre a água e a alma, Pedro permeou o texto com a poesia necessária a que fosse uma leitura agradável, apesar de reveladora, como na passagem: “…buscasse a leve alça de uma mentira onde pudesse pendurar seu ódio.”. Retratou a vida ao longo do rio, para que pudéssemos visitar paisagens habituais à nossa memória; descomedido, soube matizar as emoções que correm pelas nossas entranhas e pelo berço das águas, esculpiu os sentimentos daqueles que estavam às margens: não apenas do rio, mas da sociedade e do sistema.
Aqui, no fundo do Caí, repousam tantas outras histórias dignas de serem contadas… Histórias que jazem sepultadas, como um pequeno revólver de madeira ou a inocência de tantos, afogadas nas lamacentas águas do Caí… Histórias ainda a serem garimpadas e lapidadas pelas mãos de quem não se cansa de contar, de contar, de contar…
Patrícia Franz